Campanha lançada por hospital da Capital Gaúcha desperta debate sobre efeitos provocados pelo excesso de ruído
Uma campanha em favor do silêncio, lançada por um hospital de Porto Alegre, despertou o debate sobre os efeitos provocados pelo excesso de ruídos nas grandes cidades.
Focada na recuperação de pacientes, a iniciativa levanta uma bandeira pela paz sonora que vai além dos ambientes hospitalares. Do incômodo gerado pela conversa alta em restaurantes ao estresse causado pelo buzinaço no trânsito, a barulheira é hoje um dos principais fatores de estresse para a população dos centros urbanos.
Gritos. Motores. Buzinas. Alto-faltantes. Toques de celular. Alarmes. Latidos. Roncos de betoneira. Percussão de estacas. Ferramentas, mecanismos e aparelhos a estrilar. No mundo moderno, uma ruidosa cacofonia que nunca dá tréguas virou o novo normal. O silêncio tornou-se artigo raro, de luxo, que se viaja longe para encontrar.
— Vivemos em uma cultura do ruído — reclama o neurocientista Iván Izquierdo, autor do livro Silêncio, Por Favor, um libelo sobre o drama de viver submergido em barulho.
Nessa cultura, elevadores executam música, televisores ligados são artigo obrigatório em bares e restaurantes e gritar é a única forma garantida de se fazer ouvir. Em Porto Alegre, um dos templos consagrados da barulheira é o cruzamento das avenidas Ipiranga e João Pessoa. Ontem, um grupo de servidores do Hospital Ernesto Dornelles, localizado em plena zona conflagrada, saiu à rua para pedir um pouco de paz sonora. Munidos de folhetos com dicas sobre como produzir menos ruído, deram início a uma campanha em prol de silêncio, fundamental para a recuperação dos pacientes.
— A Organização Mundial da Saúde recomenda que, em hospitais, a média de ruído não deve passar de 40 decibéis. Na calçada, medimos médias de até 69 decibéis. Na unidade de internação, no 5º e no 6º andares, registramos 55 decibéis. O barulho causa estresse, o que prejudica o repouso e retarda a recuperação dos pacientes — explica Daiane Wolk, coordenadora de comunicação do hospital.
A campanha do Ernesto Dornelles para que os motoristas buzinem menos do lado de fora e que as pessoas falem mais baixo do lado de dentro tem como foco uma situação extrema, a de pacientes internados, mas os efeitos maléficos do ruído são vivenciados, em maior ou menor grau, por toda a sociedade.
— Pessoas que estão em ambientes barulhentos e agitados começam a apresentar algumas alterações no corpo e não sabem o porquê. Por que o cabelo está caindo, a unha está quebrando, me sinto irritada? O barulho causa um conjunto de alterações. A pessoa nem se dá conta, e isso é sério porque se chega a um grau de estresse que pode disparar doenças psicossomáticas, sintomas de pânico e ansiedade mais severa — alerta a psicóloga Marisa Sanchez.
Ruído é valorizado na cultura ocidental
Mas por que somos tão barulhentos? O psicanalista Mario Corso diz que essa é uma característica da cultura ocidental, que associa o ruído ao prazer, ao gozo, à festa.
— Aqui o barulho é um valor positivo. No Oriente, é o contrário. Lá se valoriza o silêncio. Em nossa cultura, para uma festa ser de verdade ela tem de produzir muito ruído. Acabamos reproduzindo isso no dia a dia. Ser barulhento é a forma de legitimar que estamos gozando e somos bem sucedidos. É uma das piores coisas da sociedade ocidental — analisa o psicanalista.
Mergulhados em barulho, muitos ficam escravizados por ele. Corso diz que é comum existirem pessoas que só conseguem dormir com a TV ligada — ela lhes faz companhia. Uma das manifestações mais infernizantes do problema, no entanto, é o costume de falar alto ao celular. O psicanalista vê no hábito uma forma de exibir protagonismo e de mostrar importância porque há alguém que nos liga. Tudo ilusão:
— Quem é realmente importante nem anda com celular. Tem um assessor para atendê-lo e depois sussurrar em seu ouvido.
Veja como o excesso de ruídos pode afetar o dia a dia das pessoas:
PERDA AUDITIVA
A redução da audição ocorre naturalmente à medida que envelhecemos. Porém, a surdez por ruído é geralmente progressiva, podendo ser temporária ou não. Ruídos acima de 90 decibéis, o equivalente ao tráfego de caminhões pesados, podem gerar perda da sensibilidade auditiva. Aquele zumbido no ouvido no dia seguinte a um show de música ou uma noitada na danceteria indica lesão na audição. Exposição constante a locais muito barulhentos pode provocar surdez permanente.
EFEITOS FISIOLÓGICOS
O barulho em excesso afeta o sistema endócrino e libera cortisol, hormônio ligado ao sistema emocional e ao stress, causando males ao organismo. Os efeitos vão desde a irritabilidade até sintomas mais severos, como náuseas, dores de cabeça e aumento da pressão arterial. Barulhos intermitentes durante o sono podem provocar aceleração dos batimentos cardíacos. Um relatório da Organização Mundial de Saúde ressaltou que pessoas expostas a altos níveis de barulho no trânsito estão mais propensas a desenvolver hipertensão e problemas cardiovasculares.
EFEITOS PSICOLÓGICOS
Ambientes com muito ruído interferem na capacidade de concentração, o que afeta a produtividade e pode causar ansiedade. O barulho pode provocar dificuldade de comunicação, especialmente entre crianças, por ainda estarem desenvolvendo as habilidades de linguagem. Pode ser também um desencadeador de comportamentos hostis e agressivos se a pessoa já estiver passando por uma situação de estresse.
DISTÚRBIOS DO SONO
Além de causar insônia, o ruído noturno pode também causar sono superficial, quando a pessoa dorme mas não consegue efetivamente descansar. O excesso de barulho também faz com que a pessoa acorde prematuramente ou diversas vezes, interferindo na qualidade do sono. Para um sono tranquilo, o recomendado é que o ambiente tenha no máximo 40 decibéis, o equivalente a sussurros ou a uma música em volume baixo.
Por: Itamar Melo e Heloísa Aruth Sturm
Fontes:
– Organização Mundial de Saúde, Marisa Sanchez (psicóloga da saúde e coordenadora do comitê de psicologia da saúde e hospitalar da Sociedade de Psicologia do RS) e Ana Maria Rossi (doutora em psicologia clínica e comunicação verbal e presidente da
ISMA-BR (International Stress Management Association)